Tramita no Congresso Nacional a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 8/2021, que restringe as decisões monocráticas dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), limitando a capacidade de os ministros agirem individual e imediatamente em situações específicas. Se aprovada, a regra comprometerá seriamente a independência do Judiciário e a harmonia entre os Poderes, pilares fundamentais do Estado Democrático de Direito.
Embora os tribunais brasileiros, incluindo o STF, sejam de natureza colegiada, há situações urgentes em que os juízes devem decidir individualmente, quando o colegiado não pode se reunir de imediato. Legislar para proibir decisões monocráticas nesses casos é uma medida excessiva e desnecessária. Atualmente, as decisões provisórias (liminares) dos ministros do Supremo são levadas ao colegiado posteriormente, garantindo a revisão pelos outros ministros. Restringir essa prerrogativa limitaria o acesso rápido à justiça e desrespeitaria a Constituição.
Outro ponto crítico é a redução do poder geral de cautela do STF, essencial para evitar danos irreparáveis em situações emergenciais. Ao eliminar decisões monocráticas nesses casos, a PEC cria um vácuo de ação, deixando direitos fundamentais, tanto individuais quanto coletivos, desprotegidos. Esse vazio de poder é prejudicial à população e à democracia, pois limita a atuação da Suprema Corte em contextos em que a proteção rápida e decisiva é essencial.
O STF possui, entre suas funções, a responsabilidade de sustentar posições contramajoritárias, ou seja, proteger direitos fundamentais independentemente da vontade da maioria. A aprovação da PEC 8/21 abriria ainda um perigoso precedente para futuras iniciativas que violariam ainda mais a independência entre os Poderes. Um exemplo já em trâmite é a proposta que permite ao Senado Federal revisar decisões do STF. Esse cenário aproxima o Brasil de regimes autoritários, onde o Judiciário é enfraquecido para garantir o controle absoluto dos demais Poderes. A história recente da Venezuela e da Hungria ilustra como governos autoritários começam restringindo a atuação dos tribunais para consolidar suas posições.
Montesquieu, em “O Espírito das Leis”, destaca que a liberdade está ameaçada quando o Poder Legislativo se funde com o Executivo ou interfere no Judiciário. Ele alerta que essa concentração de poder cria leis tirânicas, aplicadas de forma igualmente tirânica. Para qualquer regime autoritário, minar a independência do Judiciário é um passo fundamental para assegurar um poder absoluto e sem limitações.
No Brasil, o STF se destaca como guardião da cidadania e dos direitos fundamentais, especialmente em tempos de forte polarização política. Limitar a atuação dos ministros comprometeria essa função essencial, criando um ambiente onde direitos fundamentais podem ser desprotegidos por questões meramente procedimentais.
Por Cezar Eduardo Ziliotto, advogado constitucionalista, ex-diretor jurídico da Sanepar e de Itaipu Binacional