Em conversas interceptadas pelo Ministério Público mostraram que o volante Fernando Neto admitiu que tentou tomar um cartão vermelho em troca de R$ 500 mil. A conversa faz parte uma série de documentos sobre o escândalo de manipulação de jogos do Campeonato Brasileiro.
O que ele disse
O árbitro no meio do jogo chegou em mim e perguntou se eu tava querendo ser expulso pra você ter uma ideia. Na volta do intervalo ele falou a mesma coisa e perguntou o que estava acontecendo […] olha as faltas que fiz, só faltou eu agredir o árbitro pra acontecer alguma coisa.”Fernando Neto, volante que estava no Operário (PR)
O que aconteceu
Prints de Whatsapp obtidos pelo Ministério Público de Goiás expuseram as conversas entre Fernando Neto e um grupo acusado de comandar fraudes em jogos do Campeonato Brasileiro. Fernando foi apontado como um dos oito jogadores que aceitaram tomar cartões para que os golpistas tivessem lucros em sites de apostas. Os sites remuneram apostadores que acertam estatísticas das partidas, como o número de cartões. Em troca, os jogadores recebiam uma parte do dinheiro arrecadado pelo grupo.
Em 27 de outubro de 2022, Fernando foi abordado por um homem chamado Bruno Lopez, o BL, que ofereceu R$ 500 mil para que ele tomasse um cartão vermelho no dia seguinte, no jogo Sport x Operário pela Série B. Segundo a investigação, Fernando aceitou o acordo, mas não conseguiu tomar o vermelho, o que causou prejuízos à organização criminosa.
Questionado por Bruno, o jogador se defendeu dizendo que fez de tudo pra ser expulso, mas o árbitro Caio Max Augusto Vieira deu apenas um amarelo.
Procurado, o advogado de defesa de Fernando disse que o jogador é inocente e que foi vítima de chantagem. Segundo Auro Jayme, o volante simulou concordar com a oferta dos golpistas, mas não executou o que foi pedido a ele e devolveu o dinheiro recebido. Veja nota da defesa abaixo.
Veja os diálogos
Em outubro de 2022, Bruno Lopez (BL) e Thiago Chambó, apontados como operadores do esquema, confirmam que têm o aval de Fernando Neto pra fraude.
BL: Atleta: Fernando Neto – Camisa 8. Clube: Operário. Operação: Expulsão Primeiro Tempo. Jogo: Amanhã, sexta-feira, 28/10 – 19:00.
Chambó: Tá tudo certo então, né?
BL: Vai me mandar o pix; vou inteirar com o Edersinho. 300%. Direto com o jogador. Só eu você e Ícaro sabemos. Sigilo master.
Chambó: Pra cima. Deixa comigo.
BL: Esse cabeludo vai me deixar rico. Em nome de Jesus. Em seguida, BL negocia o valor com Fernando. Conversa entre Fernando Neto, volante do Operário, e Bruno Lopez, acusado de operar esquema de manipulação de jogos
BL: Já vê seu preço aí. 300/400/500 mil.
Fernando: Você chega até 500?
BL: Chego, irmão. Aí você fortalece o Matheus [goleiro apontado como intermediário do negócio]. Já foi 40… Aí ficaria 460. Aí vocês se acertam, quanto fica pra cada.
Fernando: Ele tava falando em 500. É isso mesmo?
BL: Isso. 500, pô. Já foi 40. Aí faltaria 460.
Fernando: Deixa eu ver isso mano. Ele vai te falar.
No jogo do dia seguinte, o Sport venceu o Operário por 5 a 1, mas Fernando tomou apenas um cartão amarelo. No mesmo dia, às 22h07 ele recebe uma mensagem de BL. Conversa entre o volante Fernando Neto e Bruno Lopez, acusado de operar um esquema de manipulação de resultados no futebol
BL: Tá on e não vai atender?
Fernando: Estou aqui no ônibus. Peraí. Mano, se você viu o jogo mesmo, você viu que fiz de tudo, se pudesse escutar o que falei pra ele depois das faltas que fiz, falta sem bola, falta fora do lance, no início do jogo já fiz falta na entrada da área e nada, eu chamei ele de cego, xinguei de filha da puta, mandei ele se fuder e tomar no cu quando levei o amarelo, eu não estou contando história não, eu tentei, porque você falou que já tinha feito a operação, o árbitro no meio do jogo chegou em mim e perguntou se eu tava querendo ser expulso pra você ter uma ideia, na volta do intervalo ele falou a mesma coisa e perguntou o que estava acontecendo, Matheus viu o jogo também, olhas as faltas que fiz, só faltou eu agredir o árbitro pra acontecer alguma coisa. Você pode pensar que eu estou falando da boca pra fora, mas eu tentei de todo jeito e aquele fdp não me expulsou, não tem lógica o que ele fez, pra você ter uma ideia, todo mundo dentro do campo ficou revoltado.
Fernando tenta convencer BL de que não teve culpa, e BL afirma que ele teria que arcar com os prejuízos do grupo.
Fernando: Quando eu levei o cartão, eu xinguei ele sim. O cara não quis me expulsar. Até parecia que ele não queria me expulsar por nada.
BL: Tá bom, mano. Não estamos aqui pra discutir. Se tentou ou não, se xingou ou não, se ele não quis expulsar ou não. Estamos aqui pra resumir o prejuízo, da mesma forma que eu tinha minha palavra, dando tudo certo, você teria 500 mil… Agora infelizmente, após termos as contas, você terá que arcar com o prejuízo.
Na súmula de Sport 5 x 1 Operário, o árbitro Caio Max Augusto Vieira anotou que deu amarelo a Fernando Neto aos 41min do 1º tempo por: “dar ou tentar dar uma rasteira ou um calço em um adversário de maneira temerária na disputa da bola’’.
Volante tentou aliciar jogador do Santos
No dia 7 de novembro, uma semana e meia depois, Fernando procurou o zagueiro Eduardo Bauermann, do Santos, e tentou convencê-lo a participar da fraude. As mensagens foram encontradas pelo MP no celular do zagueiro.
Fernando: Sei que você já tá rico kkkk mas vou direto ao ponto. Quer ganhar um bichinho no próximo jogo, não? Só precisa tomar um amarelo no primeiro tempo. Mais fácil que daquela vez.
Bauermann: kkkkkk Quanto o cara paga?
Fernando: Ele tá pagando 60 mano. Eu fiz contra o Sport, sentei a botina no Juba [o lateral Luciano Juba]. Tem mais dois jogos né? Você tá com quantos cartões?
Bauermann: Tô zerado kkk voltei há pouco de suspensão.
Fernando: Que beleza, eu fui achar isso agora no último jogo. Oh raiva. Se você aceitar, mano, posso falar com o cara dos dois jogos. O cara é ponta firme.
Bauermann: Irmão, de verdade, muito obrigado pela oferta, mas vou ter que recusar, falei pra mim mesmo que não ia mais me envolver nessas paradas aí, ano passado fui fazer isso e até brigar no jogo eu briguei e o juiz não me deu cartão, deu cartão pro cara errado na verdade, aí deu maior merda por não ter conseguido fazer, então dessa vez vou ficar te devendo irmão.
O zagueiro do Santos recusou a oferta de Fernando, mas já estava acertado diretamente com o grupo de apostadores, o que lhe rendeu ameaças.
Justiça aceita denúncia contra atletas
Ontem à Justiça de Goiás aceitou a denúncia contra 16 pessoas, incluindo 8 jogadores que estariam envolvidos no caso. Assim eles se tornaram réus e têm dez dias pra se defender.
Fernando Neto foi denunciado no artigo 41-C do Estatuto do Torcedor, que diz ser crime “solicitar ou aceitar, para si ou para outrem, vantagem ou promessa de vantagem patrimonial ou não patrimonial para qualquer ato ou omissão destinado a alterar ou falsear o resultado de competição esportiva.” A pena vai de dois a seis anos de prisão, além de multa.
O processo corre em Goiás porque, embora envolva jogos em várias partes do Brasil, ele começou a partir de denúncias envolvendo times goianos. Bruno Lopez, Thiago Chambó e Romário dos Santos, apontados como operadores do esquema, estão presos preventivamente.
O que dizem os citados
Auro Jayme, advogado de Fernando, disse que seu cliente é inocente e que foi vítima de chantagem. “A defesa de Fernando Neto reitera sua inocência, como feito perante o GAECO/MPGO. Após inúmeras chantagens sofridas por parte de determinados agentes, que o procuraram, simulou anuir às propostas ilícitas recebidas. Não executando-as durante o jogo, bem como, restituindo os valores transferidos para sua conta bancária na sua integralidade, para estes acusados, ora denunciados pelo crime de Organização Criminosa”, escreveu o advogado.
A defesa do jogador disse também que é preciso analisar as conversas em todo o contexto. “Trechos das conversas de aplicativo de WhatsApp entre Fernando Neto e estes outros acusados, aqui divulgados, necessitam ser extraídos e apresentados pelo órgão acusador na sua integralidade, para revelar todo o contexto. E assim, ficar demonstrado os fatos como eles realmente ocorreram, não cabendo presunções.”
O Operário (PR) disse que não vai se pronunciar sobre o assunto. Em nota, o São Bernardo, atual time de Fernando, afirmou que aguarda mais informações sobre a participação do volante. “Neste momento o que temos são informações veiculadas na imprensa e, lógico, temos a obrigação de entender o que de fato ocorreu e se ocorreu, nosso jurídico vai tomar ciência e aguardar a apuração de tudo”, disse o executivo de futebol Lucas Andrino.
A defesa do zagueiro Bauermann não foi encontrada. O Santos informou em nota que não tolera desvios éticos e que o jogador foi afastado dos treinos. “O jogador permanecerá fazendo atividades físicas no CT Rei Pelé. O Clube aguardará se a Justiça aceitará a denúncia para definir novas ações, sempre com o pensamento voltado a preservar a instituição.