O presidente da Assembleia Legislativa do Paraná (ALEP), deputado estadual Ademar Traiano (PSD), e o ex-deputado estadual Plauto Miró (União Brasil) confessaram ao Ministério Público do Paraná (MP-PR) que pediram e receberam propina de um empresário que tinha um contrato de prestação de serviço com a Assembleia Legislativa.
Políticos conhecidos no Paraná, Traiano e Plauto fecharam um acordo de Não Persecução Penal (ANPP) em dezembro de 2022 com o Ministério Público e admitiram terem recebido vantagem de Vicente Malucelli.
Malucelli era um dos responsáveis pela TV Icara, que venceu a licitação para fazer o planejamento e produção de conteúdo da T V Assembleia -canal de TV da Assembleia Legislativa. O contrato foi firmado em 19 dezembro de 2012. O prazo era de 36 meses. Com um valor total de R$ 11,4 milhões.
As regras do ANPP firmado pelos deputados com determinam que aqueles que assinarem o acordo crime e devem confessar o crime e devolver o dinheiro recebido.
Em troca, não serão processados na Justiça. Procurados pela Globo, Plauto e Traino disseram que não podiam comentar o caso em razão do sigilo judicial sobre os autos.
No acordo, Ademar Traiano e Plauto Miró tiveram que se retratar da versão apresentada em seus depoimentos durante a investigação onde tinham negado as acusações de Vicente Malucelli.
Ambos terão que pagar o valor de R$ 187 mil de reparação. O pagamento deverá ser feito em parcela única. Os acordos de colaboração ainda precisam ser analisados pelo Tribunal de Justiça do Paraná.
As investigações tiveram início em 2020, após o empresário Vicente Malucelli fechar uma delação premiada com Ministério Público.
Na delação, Vicente afirmou às autoridades que, numa reunião da Assembleia Legislativa, em agosto de 2015, com Ademar Traiano e Plauto Miró, o presidente da Assembleia pediu R$ 300 mil.
Na época, Plauto Miró exercia a função primeiro secretário da Casa.
Veja um dos trechos da delação:
“Traiano falando que pô, nós precisávamos de uma verba pra campanha, uma ajuda de campanha. Eu inicialmente me fingi de desentendido, o Plauto não abriu a boca, e o Traiano escreveu num papel o valor de R$ 300.000,00. Aí eu falei vou repassar pro acionista principal e eu venho com o retorno. Eu entendi naquele momento que se eu não colaborasse ou se não desse essa ajuda de campanha eu ia ter o contrato rescindido, foi esse o nosso entendimento, mas o Joel ficou bastante consternado com o valor e depois de algumas diligências com ele, consignamos que íamos pagar R$ 200.000,00, R$ 100.000,00 pra cada um. E aí eu voltei com a informação, uma semana depois ou três, quatro dias depois, e eles aceitaram”.
Segundo as investigações, após o ajuste do valor da vantagem indevida, o pagamento foi realizado. Vicente pediu que Georgete Bender, responsável pelas finanças do grupo J. Malucelli, providenciasse o saque dos R$ 200 mil. Ainda de acordo com o empresário, Traiano recebeu os valores em duas parcelas: a primeira, em espécie, no gabinete da Presidência da Assembleia Legislativa do Paraná; a segunda, em três cheques, no hall de entrada do prédio em que reside.
Confira mais um trecho da delação:
” os primeiros R$ 50.000 do Traiano eu fui levar em mãos, um envelope e ele começou, posterior a isso, a me pressionar, assim, ligando. já com tudo isso que tava acontecendo no Brasil, sem nenhum tipo de pudor, me ligar e me pressionar cadê meu dinheiro? Cadê meu dinheiro? Quando é que você vem? até que chegou um dia que eu falei assim, pra me proteger, eu vou fazer…eu vou ter que gravar esse cara, porque quando ele me pediu pelo telefone pode ser cheque teu você vá lá no hall de entrada do meu prédio me pagar eu fiquei consternado eu fiquei revoltado e até pra me proteger, por isso que eu fiz essa gravação. E aí eu fui, eu tava no Rio de Janeiro, numa sexta-feira de manhã, eu tinha uma reunião com a agência da Petrobrás, ele me ligou e… dizendo que se não tivesse lá no final de tarde não precisava nem mais aparecer. Eu tive que pegar o avião, vir até Curitiba, ir até a casa dele”.
Vicente Malucelli gravou áudios de conversas que manteve com Traiano negociando o pagamento da propina.
Numa das conversas, Traiano pediu que Vicente não comentasse com Plauto sobre o pagamento da primeira parcela.
Confira, agora, trechos dos áudios gravados, repassados aos investigadores:
Vicente Malucelli: 50?
Ademar Traiano: Terça-feira.
Malucelli: Posso mandar da conta da TV, mesmo?
Traiano: Sim, não tem problema nenhum, empresa mecânica lá. E o Plauto?
Malucelli: O Plauto deixa comigo.
Traiano: É mas ele já me chamou.
Malucelli: Ficou até brabo, vou passar ali, vou falar, ô, fique frio que o teu dinheiro.
Traiano: É que ele me pediu, eu digo ó, eu liguei pra ele ontem. Mas você falou que me trouxe?
Malucelli: Não.
Traiano: Porque se não
Malucelli: Não falo, falo que você dois fica tudo pra terça feira que vem. 0 problema é nota.
Traiano: Vamo chamar ele aqui então Malucelli: lgual vocês têm medo eu também. Traiano: Não diga que te chamei aqui, senão ele fica puto.
Malucelli: Mas eu vou lá falar com ele.
Em outra conversa gravada por Vicente Malucelli, Ademar Traiano pediu para entregar os cheques na sua casa.
Confira:
Vicente Malucelli: Firme?
Ademar Traiano: [ininteligível]
Malucelli: Vai me dar o número da conta? Traiano: [Ininteligível]… tem ai?
Malucelli: Não, não, to sacando amanhã. Traiano: Mas assim ó, 10 horas, meu filho, quer marcar?
Malucelli: Eu tenho que ir no banco, sacar, …dois cheque na mão
Traiano: Pra mim, cheque?
Malucelli: Eu saco…
Traiano: Cheque de quem? Da TV?
Malucelli: É
Traiano: Se não eu ia mandar os cheques Malucelli: Quer cheque meu?
Traiano: Acho que seria melhor.
Malucelli: Eu trago
Traiano: Vou dar noutra pessoa, lá fora. Malucelli: Dois de 25… daí trago amanhã de manhā, aqui, ou hoje ainda.
Traiano: Eu acho que eu preferia se fosse entregue hoje. (..)
Traiano: Vou dizer, ó, pode dar o dinheiro.
Os áudios passaram por perícia do Ministério Público, que atestou que o conteúdo é autêntico e não sofreu edição ou adulteração.
Em relação aos pagamentos ao ex-deputado Plauto Miró, Vicente Malucelli afirmou, na delação, que o parlamentar teria ido à sede do Grupo J. Malucelli, em duas ocasiões, entre os meses de setembro e outubro de 2015, para receber duas parcelas de R$ 50 mil cada e que elas foram repassadas pessoalmente por Georgete Soares Bender.
Segundo o Ministério Público, o primeiro pagamento teria ocorrido no dia 24 de setembro de 2015, pois há o registro de entrada de Plauto Miró na sede do Grupo J. Malucelli. O segundo pagamento teria se efetivado dias após. Georgete Soares Bender, que também fechou acordo de delação premiada com o MP, disse, em depoimento, que não conseguiram sacar tudo de uma vez só e que Vicente pediu para ela entregar em duas oportunidades para o então deputado Plauto Miró.
Veja um trecho do depoimento de Gorgete: “Uma vez o Vicente disse que ele estava indo à Ponta Grossa/PR, ia passar ali na empresa e já ia pegar esse montante de R$ 50.000, 00. Ele chegou na recepção, se anunciou, daí eu fui buscá-lo, levei-o até a minha sala e entreguei o pacote com R$ 50.000,00. Depois no outro período aconteceu a mesma coisa, também recebi ele na recepçăo, levei até a minha sla e entreguei R$ 50.000, 00 pra ele novamente.”
Os acordos de delaçāo premiada de Vicente Malucelli e Georgete Bender foram homologados em 2020 pelo Tribunal de Justiça do Paraná.
O que dizem os citados
À TV Globo, a defesa de Vicente Malucelli não quis pronunciar em razão do “sigilo processual”. “A defesa técnica de Vicente Baptista Maluceli Netto, em razão do sigilo processual, não irá se manifestar publicamente a respeito dos fatos.”
Assembleia Legislativa do Paraná (Alep) e deputado Ademar Traiano, presidente da Alep Procurada, a Alep também não comentou o acordo. “A Assembleia foi alertada pelo MP de que não pode se manifestar sobre o conteúdo do documento que está protegido pelo sigilo judicial.”
Plauto Miró
A reportagem entrou em contato com o ex-deputado Plauto Miró, mas até a publicação deste conteúdo, ele não tinha respondido.
Georgete Bender
A reportagem tentou localizar Georgete Bender e a defesa dela, mas até o momento não conseguiu contato.
A TV Globo também procurou o advogado dos parlamentares que que assinaram o acordo com o MP, mas ele afirmou que não irá se manifestar devido ao sigilo das investigações.
A assessoria do grupo J. Malucelli, responsável pela TV Icaraí, e do empresário Joel Malucelli, não retornou os contatos.
As informações são do G1.
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